AULA 01
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Aula 01 - Introdução ao estudo de conflitos
Reflita: Escreva em seu bloco de notas: quando você escuta ou lê a palavra CONFLITO que outra palavra lhe vem à cabeça?
No geral, ao pensarmos em CONFLITO, algumas palavras que surgem são:
Agora, coloque as palavras na seguinte ordem: de um lado coloque aquelas em que você considera ser a pior forma de resolver os conflitos, e do outro lado a melhor forma de resolvê-los.
Reflita agora, a partir da lista que você elencou, quantas palavras têm conotação mais negativa e quantas têm uma conotação mais positiva?
Qual é a visão que predomina sobre conflitos: conflitos são bons ou ruins?
Quase sempre ao realizarmos esse exercício, verificamos que a lista maior fica na conotação “negativa” dada aos conflitos. Além do mais, quase todas as palavras listadas não significam o próprio conflito, mas a consequência dele, ou a forma encontrada para resolvê-lo. Por exemplo: A BRIGA, OU A GUERRA OU A VIOLÊNCIA, não são o conflito, mas sim, a resposta que foi dada ao conflito existente. E se iniciarmos um debate no fórum, poderiam aparecer comentários diversos, tais como:
A gente cria um mundo bonitinho no qual não pode haver o
negativo, o feio.
Aprendemos que para ser bom, temos que ganhar sempre. Não se
pode sequer empatar.
Sempre em casa, ouvi meu pai dizer, que se eu apanhasse na rua,
apanharia em casa também.
Conflito é uma incompatibilidade de metas.
Sempre temos conflitos, mas o importante é o que fazemos com
eles.
Uma coisa é a incompatibilidade de metas e outra é a resposta
que damos a ele.
Devemos eliminar os tabus de que conflito é ruim, é coisa
negativa.
Precisamos desmistificar a violência como uma palavra mágica.
Tirar o véu sagrado que a violência carrega no senso comum.
Não queremos uma paz de aparência.
Ser humano é um ser conflitivo.
A paz que queremos assume os conflitos e às vezes precisamos
“destruir” para construir (Jeremias 1).
Paz é referência de valores.
A violência é construída e produzida pelos seres humanos.
A agressividade é como a água, pode irrigar ou inundar.
Estamos vivendo a era do pan-violentismo: tudo é violência.
Ser firme é diferente de ser violento.
Estar furioso é diferente de ser violento. Uma coisa é ter o
sentimento, outra coisa é o que fazemos com ele.
Qual desses comentários faz mais sentido para você? Vamos verificar o que alguns autores nos apresentam sobre o conceito de “Conflito”.
Conversando sobre conflitos
Ao iniciarmos o debate acima proposto, surgirão opiniões divergentes sobre o tema. Poderíamos dizer que essa é uma situação de conflito?
Claramente que sim. Os conflitos são naturais às relações humanas e à vida em sociedade. As pessoas são diferentes - possuem opiniões, crenças, valores e hábitos distintos – e naturalmente os conflitos tendem a surgir.
Fonte: http://www.cmc.org.pt/portal/index.php/mediacao-de-conflitos
Pois bem, queremos nessa aula evidenciar que Conflitos não são problemas.
SEIDEL (2007) afirma que podemos perceber uma tendência geral para uma visão negativa do conflito. Os conflitos, porém, são normais e não são, em si, positivos ou negativos, maus ou ruins. É a resposta que se dá aos conflitos que os tornam negativos ou positivos, construtivos ou destrutivos. A questão central é como se resolvem os conflitos: se por meios violentos ou por intermédio do diálogo. Os conflitos devem ser compreendidos como parte da vida humana, sendo seu problema transferido para a forma com que são enfrentados e resolvidos.
Ao achar estranho adotarmos aqui a perspectiva de conflito como algo natural às relações humanas é porque, como já explicitado, muitas vezes o conceito de conflito aparece associado a uma imagem negativa, de embate, de violência. No entanto, temos que diferenciar a noção de “conflito” do conceito de “violência”. Estudaremos o termo “violência” um pouco mais à frente, nesta mesma aula.
Mas, o importante aqui é entendermos que o conflito nada mais é do que uma das formas de interação entre as pessoas, uma expressão de divergências de opinião, interesses ou crenças.
O conflito nem sempre é percebido como algo natural à vida em sociedade. No estudo dos conflitos, duas abordagens distintas podem ser identificadas, sendo que uma delas possui uma perspectiva bem diferente daquela que refletimos no início da nossa aula. Vejamos:
DURKHEIM (2001) tem como uma das preocupações centrais em seus estudos a reflexão sobre a origem da solidariedade entre os indivíduos. Nesse sentido, uma das perguntas investigadas pelo autor é: Como a sociedade se mantém? Durkheim investiga os elementos que fundamentam a ordem social e, na perspectiva do autor, o conflito é entendido como uma disfunção, ou seja, como uma ameaça à manutenção da sociedade. Seguindo esta argumentação, esta primeira abordagem percebe o conflito como um malefício às relações sociais, devendo este, assim, ser eliminado.
Outra abordagem para o tema, mais próxima à que adotaremos nas nossas aulas, é apresentada pelo sociólogo alemão Georg Simmel. SIMMEL (1983) destaca que a configuração social não é dada apenas pelos elementos convergentes da sociedade, mas também por seus elementos dissociativos. Dessa forma, o autor percebe o conflito como uma forma de interação destinada a resolver divergências e, com isso, estabelecer algum tipo de unidade na sociedade. Nesse sentido, o conflito é visto pelo autor como processo positivo da vida social, atuando na construção de unidade: este é vital para o funcionamento da sociedade.
Para percebermos o potencial positivo e transformador dos conflitos, podemos pensar em seu papel em um contexto de divergência entre distintos grupos. Pensemos, por exemplo, em um grupo de moradores de um condomínio. Durante uma reunião, o grupo não consegue chegar a um ponto comum sobre o investimento de recursos: alguns defendem o investimento na área de lazer; outros preferem reformar a fachada da portaria; um terceiro grupo defende ainda a aplicação dos recursos na criação de um jornal informativo das atividades do condomínio. As discussões se prolongam por várias reuniões, sem que os moradores consigam cooperar. Até que surge um fato novo: uma empresa decide se instalar nas imediações do condomínio e, pela forma como está planejada a sua operação, esta pode prejudicar a tranquilidade dos moradores, aumentando o movimento de veículos na região e trazendo aumento de poluição do ar no local. Diante de um novo elemento de ameaça ou conflito externo, as antigas divergências entre os moradores (geradas pela discussão sobre a aplicação de recursos) desaparecem e todos se unem para impedir a instalação da empresa no local. Nesse exemplo, um conflito maior contribuiu para a unidade do grupo (moradores do condomínio), quando um conflito maior (a instalação da empresa) promoveu a cooperação do grupo.
Mas será que um conflito sempre é algo negativo? Na verdade, o conflito não é, em si, algo positivo ou negativo, mas este possui naturalmente um potencial de transformação e aprendizado. No entanto, tudo depende da forma como este é administrado. Em outras palavras, o conflito pode ser um mecanismo de troca de opiniões e de aprendizado, mas pode também levar à violência.
Vejamos o que nos apresentam outros autores sobre o conceito de conflito:
- Conflito é uma parte normal da vida organizacional, já que as pessoas têm ideias diferentes sobre a utilização dos poucos recursos disponíveis [...] Não é bom ou mau em si mesmo: o que é bom ou mau é o impacto que terá na organização (Owens, 2004, p.328, apud CECCON, 2009, p.29).
- Conflito é uma situação em que as pessoas independentes satisfazem suas necessidades e seus interesses de formas diferentes e experimentam a interferência uns dos outros na busca de seus objetivos... (Garston e Wellman, 1999, p.185, apud CECCON, 2009, p.29).
- Um conflito pode ser definido como a diferença entre duas metas, sustentadas por agentes de um sistema social. Podem ser organizados em três níveis: pessoais, grupais ou entre nações. (SEIDEL, 2007, p.11)
Veja o que o Papa Francisco em sua exortação apostólica nos apresenta sobre conflito.
O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado; deve ser aceito. Mas, se ficamos encurralados nele, perdemos a perspectiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada. Quando paramos na conjuntura conflitual, perdemos o sentido da unidade profunda da realidade. (Papa Francisco, 2013, p. 173, item 226).
Voltando à ideia inicial de nossa aula, imaginamos que já tenha percebido a diferença entre conflito e briga. Assista ao vídeo “Curso de Mediação de Conflitos – Parte 5” e amplie o seu conhecimento. https://www.youtube.com/watch?v=62oOWkRooxI
Acesse o PDF do livro “Conflitos na escola: modos de transformar” e estude o item 1.2 “Contribuição da teoria” (páginas 29 a 40). http://www.mprj.mp.br/documents/112957/10381358/cartilha_cecip_conflitos_na_escola_modos_de_transformar.pdf
Mas será então que os conflitos têm benefícios? Podemos aprender com eles? Quais seriam então os benefícios do conflito?
Os conflitos nos proporcionam benefícios, é o que decorre dos ensinamentos de Seidel (2007, p.11), quando afirma que é justamente a não aceitação dos conflitos que provoca a violência. Esta busca resolver o conflito, negando o outro. Todavia, quando se aprende a lidar com o conflito de forma não violenta, ele deixa de ser encarado como o oposto da paz para ser visto como um dos modos de existir em sociedade.
Entre os benefícios do conflito, podemos citar:
a) Estimulam o pensamento crítico e criativo;
b) Melhoram a capacidade de tomar decisões;
c) Reforçam a consciência da possibilidade de opção;
d) Incentivam diferentes formas de encarar problemas e situações;
e) Melhoram relacionamentos e a apreciação das diferenças;
f) Promovem autocompreensão.
Também os conflitos trazem ótimas oportunidades de trabalhamos a Comunicação efetiva e ampliar as nossas competências conversacionais. Falaremos sobre técnicas para aprimorar a nossa comunicação na aula 04, sobre Comunicação Não-violenta (CNV), mensagens-eu e escuta ativa.
Pensando dessa forma, o conflito não é um obstáculo à paz. Pelo contrário, para construir uma cultura de paz é preciso mudar atitudes, crenças e comportamentos. A paz é um conceito dinâmico que nos leva a provocar, enfrentar e resolver os conflitos de uma forma não violenta. Uma educação para a paz reconhece o conflito como um trampolim para o desenvolvimento que não busque a eliminação do conflito, mas sim, modos criativos e não violentos de resolvê-los.
WEIL (2002) nos apresenta que
Para entender melhor aonde nos leva a visão da paz como fenômeno externo ao homem, acompanhemos o seguinte raciocínio: onde não há ódio, não há guerra, nem haverá nunca; também não existirá conflito armado onde não houver armas; mas, se não tratarmos o interior dos homens, bastará que alguém forneça a munição, e o conflito explodirá tão ou mais forte que antes. O ódio habita o interior das pessoas, enquanto as armas são um sinal exterior. (WEILL, 2006, p. 30).
Ainda o mesmo autor nos indica que a paz está dentro de nós. Ou então não existe. Se é no espírito dos homens [das mulheres] que começam as guerras, então, é nas escolas da Terra que se moldará a nova consciência, capaz de pôr um termo a toda violência.